Os/as ativistas da Associação Pernambucana de Profissionais
do Sexo (APPS), Fórum LGBT de Pernambuco, Instituto PAPAI, Centro das Mulheres
do Cabo e dos Núcleos de Pesquisa da UFPE (Gema, LabEshu e Gepcol) vêm a
público manifestar sua indignação pela suspensão e posterior “relançamento” de
material de comunicação alusivo ao Dia Internacional das Prostitutas (2 de
junho), produzido pelo Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do
Ministério da Saúde.
Por favor, leiam com atenção nossos argumentos e divulguem
em suas listas!
FELICIDADE É DIREITO HUMANO E PROSTITUIÇÃO NÃO É CRIME, É
OCUPAÇÃO
Nota pública da APPS, Fórum LGBT-PE, Instituto PAPAI, CMC,
Gema, LabEshu e Gepcol
Os/as ativistas da Associação Pernambucana de Profissionais
do Sexo (APPS), Fórum LGBT de Pernambuco, Instituto PAPAI, Centro das Mulheres
do Cabo e dos Núcleos de Pesquisa da UFPE (Gema, LabEshu e Gepcol) vêm a
público manifestar sua indignação pela suspensão e posterior “relançamento” de
material de comunicação alusivo ao Dia Internacional das Prostitutas (2 de
junho), produzido pelo Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do
Ministério da Saúde.
No texto que informa o “relançamento” do material (agora em
formato de Campanha), o secretário de Vigilância em Saúde, Jarbas Barbosa
argumenta que “É fundamental que grupos vulneráveis tenham conhecimento dos
locais de distribuição da camisinha. A camisinha feminina permite que a mulher
decida sobre o uso do preservativo, de modo que essa escolha não seja apenas do
homem. É uma estratégia que faz parte da política brasileira de ampliar as
opções de proteção às doenças sexualmente transmissíveis”.
Porém, é importante lembrar que o alardeado
internacionalmente (e atualmente questionado) sucesso da “Resposta Brasileira à
Epidemia” não está baseado exclusivamente na promoção do acesso ao uso de
preservativos e da oferta de medicamentos para quem vive com HIV. Considerando
o problema em sua complexidade, ao longo das últimas décadas, a sociedade e o
governo brasileiro tem investido esforços em tratar o problema pela raiz e não
pelo sintoma.
Nesta perspectiva, mensagens do tipo “Cidadã, use
camisinha!” assumem sentido bem mais complexo. Para populações mais vulneráveis,
o primeiro passo é a afirmação da cidadania, afinal, séculos de tradição e
práticas sexistas, machistas, homofóbicas e racistas produziram em nosso país,
estigmas e consequências indeléveis à autoestima e autoaceitação de LGBT,
negros/as, pobres, mulheres e, particularmente, as prostitutas.
Em outras palavras, qualquer medida de prevenção em saúde,
ao tratar de populações em situação de maior vulnerabilidade, deve considerar,
antes de qualquer coisa, as condições e possibilidades de existência para essas
pessoas, ou seja, as diversas formas a partir das quais essas pessoas foram
impedidas de existir em sua plenitude, que as impediram de realizar seu
“projeto de felicidade”.
José Ricardo Ayres (2007), Doutor em Medicina e Professor
Titular em Medicina Preventiva da USP, define “projeto de felicidade” como
“totalidade compreensiva na qual adquirem sentido concreto as demandas postas
aos profissionais e serviços de saúde pelos destinatários de suas ações” (p.
54).
Assim, é importante que fique claro que o material
censurado, como informa o próprio site do Ministério da Saúde, foi produzido “a
partir de uma Oficina de Comunicação em Saúde para Profissionais do Sexo,
realizada entre os dias 11 e 14 de março de 2013, em João Pessoa (PB).
Participaram da Oficina representantes de organizações não-governamentais,
associações e movimentos sociais que atuam junto a profissionais do sexo de
todas as regiões do país, apoiando o enfrentamento às DST, aids e hepatites
virais.”
Ou seja, as mensagens foram produzidas pelas próprias
destinatárias das ações de promoção à saúde, inclusive a supostamente polêmica
afirmação “Eu sou feliz, sendo prostituta!”.
Como bem referiu Fernanda Benvenutty, enfermeira e militante
transexual brasileira, em evento sobre “gestão de riscos”, promovido
recentemente pelo Departamento de Aids do Ministério da Saúde (entre 3 e 4 de
junho): ao dizer que são felizes, sendo prostitutas, o que essas mulheres estão
afirmando é que, APESAR de uma cultura machista, APESAR de uma sociedade que
não as respeita, que as discrimina e que insiste em invisibilizá-las, apesar de
um governo que não respeita seu verbo e suas práticas, APESAR DE TUDO elas são felizes! E esse direito humano à felicidade não lhes pode ser negado.
E como podemos, então, lidar com esse “projeto de
felicidade”? Ayres (2004) defende “que não devemos lidar com os projetos de
felicidade de indivíduos e populações como se fossem alguma espécie de
‘planejamento’. Antes que uma ‘planilha’, onde são fixados metas, recursos e
estratégias, a idéia que mais se aproxima à do projeto de felicidade é o de uma
obra de arte – uma pintura, um poema, uma escultura – pela qual se expresse a
vida e o aspecto de saúde em questão” (...) Além disso, na expressão do projeto
de felicidade, como na produção do poema, da pintura, da escultura, misturam–se
razão e afetos, luz e sombra, o explícito e o suposto, o retratado e o
não–retratado, o retratável e o não–retratável. O projeto de felicidade é, no
modo como se expressa, uma totalidade compreensiva” (p. 57).
Portanto, o material de comunicação produzido em homenagem
às prostitutas, em sua arte, inscreve profundo respeito por essas pessoas, as
afirmam como cidadãs e certamente promovem autoaceitação e, consequentemente,
as capacitam a promover prevenção, defendendo-se da tradição que as subjulga e
que tenta calá-las.
Vale lembrar que no Brasil, prostituição não é crime, é
ocupação incluída pelo Ministério do Trabalho e Emprego, na Classificação
Brasileira de Ocupações, inclusive com atribuição de “participar em ações educativas
no campo da sexualidade”, conforme descrito a seguir.
5198-05 - Profissional do sexo (Garota de programa, Garoto
de programa, Meretriz, Messalina, Michê, Mulher da vida, Prostituta,
Trabalhador do sexo)
Descrição Sumária: Buscam programas sexuais; atendem e
acompanham clientes; participam em ações educativas no campo da sexualidade. As
atividades são exercidas seguindo normas e procedimentos que minimizam a
vulnerabilidades da profissão
Portanto, pela cidadania, pelo respeito, pela efetividade
das medidas de prevenção em saúde “projetos de felicidade”, inclusive de
prostitutas, não devem ser reprimidos e sim considerados como ponto de partida
de qualquer iniciativa em saúde pública... sem medo de ser feliz!
Fontes
- AYRES, José Ricardo C. M.. Uma concepção hermenêutica de saúde. Physis [online]. 2007, vol.17, n.1, pp. 43-62. ISSN 0103-7331. http://www.scielo.br/pdf/physis/v17n1/v17n1a04.pdf
- Site do Portal sobre aids, doenças sexualmente transmissíveis e hepatites virais do Ministério da Saúde - www.aids.gov.br/noticia/2013/campanha-orienta-prostitutas-sobre-prevencao-de-dst-e-aids
- Classificação Brasileira de Ocupações. www.mtecbo.gov.br